3 Outubro 2016      14:16

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TURQUIA NA UNIÃO EUROPEIA. BOA IDEIA OU NEM TANTO?

Fundada a 29 de Outubro de 1923, a República da Turquia marcou o fim do esgotado Império Otomano que se extinguia ao fim de 623 anos de existência. A derrota na 1ª Guerra Mundial e a pressão dos aliados verificava-se demasiado pesada para um império desgastado pela guerra e pelo tempo. Após 4 anos de uma Guerra Mundial seguida de uma Guerra pela Independência de 3 anos, a chamada Turquia moderna é fundada por Mustafa Kemal Ataturk.

Ataturk idealizou e fundou uma Turquia laica, com separação total entre religião e Estado, algo avançado para um território que nos antecedentes 623 anos de existência havia sido um Califado, cujo Sultão era simultaneamente chefe de Estado do império, e chefe da religião Islâmica sob a denominação de Califa.

Resultava desta particularidade que o restante mundo islâmico olhava para o Império Otomano como a nação sede do Islão. Nação cujo chefe de Estado era o Califa do Islão e onde estava localizada a cidade sagrada de Meca. Todo este panorama se desvanece com a queda do Império, o Califado havia sido extinto, os territórios haviam sido redesenhados, e tornar-se-iam independentes, e Meca acaba por se tornar parte da recém criada Arábia Saudita, o símbolo da unidade islâmica havia sido desmantelado.

Não obstante, a Turquia conservava ainda o encanto de ser o espaço físico restante deste desmantelamento, mais aproximado do símbolo do islão que se havia perdido, fazendo com que as restantes nações islâmicas, especialmente as que foram criadas nos territórios perdidos como Síria, Líbano, Palestina, Arábia Saudita, Iraque, Catar, Egipto e Sudão, ainda se identificassem culturalmente com esta nova Turquia. Resultava deste facto que a Turquia, ex-nação do Califa, um recém-criado Estado laico, era agora a referência maior do mundo islâmico.

Assim tem sido desde então, perdendo algum fulgor, mas ainda hoje, o mundo islâmico se identifica um pouco com o legado Otomano, Turquia era e é ainda uma referência.

Essa influência laica e democrática deu os seus frutos em meados do século XX em muitos Estados circundantes, havia começado a surgir alguma laicidade e medidas que dariam a entender um certo tipo de caminhar em direção à democracia na Síria, no Iraque, no Irão (apesar das divergências xiitas-sunitas) ou no Afeganistão. Havia algum pró-ocidentalismo e abertura ao exterior. Algo em que a Turquia havia sido pioneira. O que revela uma certa confiança do mundo islâmico na evolução que estava a acontecer na sociedade turca. Isto tudo antes das revoluções e golpes de Estado que afectaram o Irão, o Iraque ou o Afeganistão entre outros, e que reverteram todos os avanços até aí registados, provocando retrocessos na sociedade como os registados no Irão e Afeganistão.

A Turquia de hoje parece estar ela própria a ceder a esta tendência, assiste-se cada vez mais a um afastamento do Estado turco face à laicidade implantada por Ataturk, e um regresso a um tradicionalismo conservador quase perdido no tempo, e cada vez mais recuperado por Erdogan, assim como o ressurgimento de ações dúbias que minam a confiança dos países europeus na democracia turca, assim como pressões e perseguições à imprensa, hostilidade para com opositores a Erdogan, e mais recentemente profundas purgas em todos os sectores, antecedidas por um golpe de Estado falhado altamente dúbio. Acções que acabam por empurrar a população turca mais erudita, cosmopolita e jovem para a emigração para o centro da Europa, onde os mesmos sentem que os ideais democráticos nos quais acreditam são valorizados e respeitados, ao passo que na Turquia seriam cabalmente ignorados, sob pena de serem perseguidos ou ostracizados por defenderem ou lutarem por uma Turquia mais justa, tolerante e democrática.

Acções estas que fazem os países ocidentais ficar de pé atrás para com o poder turco, os EUA já o sentem, tendo já ameaçado a Turquia com a expulsão da aliança atlântica, estando esta também mais recentemente numa reaproximação para com a Rússia de Putin e uma aproximação ao Pacto de Xangai.

Todos estes factores fazem anunciar que a Turquia se está a afastar cada vez mais dos ideais e valores que os países europeus defendem, da tolerância, transparência, democracia ocidental e laicismo. Semeando desconfiança e insegurança para com a própria União Europeia, que nunca deverá aceitar no seu seio uma nação que não esteja emparelhada com os seus ideais e valores e no respeito pelos mesmos.

Imagem de capa daqui.