30 Novembro 2016      16:33

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GERAÇÃO ERASMUS. ÚNICA SALVAÇÃO POSSÍVEL DE UMA EUROPA...

Geração Erasmus. Única salvação possível de uma Europa em estado de decomposição?

Robert Schuman, Jean Monet, Paul-Henry Spaak, Willem Drees, Konrad Adenauer e Alcide de Gasperi seriam os homens mais desolados de todo o mundo, se porventura voltassem à vida e observassem o estado do projeto que juntos fundaram.

Este grupo de personalidades, eram tidos como estadistas determinados, cada um em sua pátria, um Luxemburguês, um Francês, um Belga, um Holandês, um Alemão e um Italiano. Homens que formam a 1ª Geração de Líderes da Europa do pós-guerra. Homens que faziam parte de uma geração nascida nos finais do sec. XIX, uma geração desgastada por duas guerras mundiais às quais teve que sobreviver, à custa das gerações anteriores que falharam em evitá-las. Homens que observaram o horror dessas duas hediondas guerras, que os desproviu de qualquer leve simpatia por qualquer tipo de conflito futuro. Porque os mesmos sabiam o que custa viver em tempo de guerra, fugir da cidade onde se vive, sobreviver aos constantes bombardeamentos, sobreviver aos racionamentos, sobreviver à fome e miséria causadas pela guerra. Em guerra morre-se de fome não pela falta de dinheiro, mas pela falta de comida para comprar, de nada vale um bolso com dinheiro se não há sequer um pão para comprar.

Esta geração viveu tudo isto. Acontecimentos que os tornaram pessoas de mentalidade forte e resiliente, dispostos a fazer qualquer tipo de cedências para que estes tempos nunca mais se repetissem, e que mais nenhuma geração tivesse de passar por tudo o que esta geração enfrentou. E foi isso mesmo que aconteceu. Depois de negociações, propostas e cedências de todas as partes, este grupo de líderes fundou algo que os mesmos idealizaram para sanar os conflitos sanguinários crónicos que abalavam de tempo a tempo o coração da Europa. A 18 de Abril de 1951 estes 6 homens assinaram o Tratado de Paris, que fundaria a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Uma instituição supranacional para a qual eram delegadas competências até aí respeitantes exclusivamente aos Estados soberanos. Estava dado o primeiro passo para uma paz e segurança duradouros, conforto e bem estar dos cidadãos no continente mais próspero da história até então. Eram estas as prioridades basilares deste compreensível e ambicioso projecto comum.

Seguidamente, uns anos mais tarde seguiu-se a 2ª Geração de Líderes, a geração de Mitterrand, Delors, Kohl e Thatcher, uma geração nascida no período charneira entre guerras, mas que ainda viveu as agruras da 2ª Guerra Mundial, cenário ao qual não desejavam regressar. Devido a esse facto, esta geração soube à sua maneira dar o seu valor ao projecto criado pelos seus antecessores, pois os mesmos tinham a noção de todas as desvantagens e atrocidades que a guerra implicava, em razão de ainda a terem vivido. Como tal, esta geração – mesmo com grandes discordâncias entre si – deu continuidade ao projecto já criado. Uma vez que a paz e a segurança estavam asseguradas, deu-se lugar ao desenvolvimento das restantes prioridades basilares, o conforto e o bem-estar dos povos. Floresciam a segurança social, o emprego, os sistemas nacionais de saúde, o acesso às universidades, à cultura, a expansão dos sistemas de transportes e acesso às novas tecnologias. Havia progresso, progresso esse que só poderia existir quando as nações europeias estivessem em total estado de paz, serenidade, segurança e bem-estar.

Hoje, encontramo-nos em plena intendência da 3ª Geração de Líderes, de Merkel, Sarkozy, Hollande, Barroso, Juncker, Cameron, Brown, Blair, Aznar, Zapatero, Rajoy, Sócrates, Passos Coelho, entre outros. Geração esta filha do baby-boom sucedido no pós-guerra, todos eles nasceram no terno conforto da paz, da segurança, do bem-estar, do progresso tecnológico e social. Nenhum deles teve o infortúnio de viver uma guerra sanguinária e todas as suas hediondas calamidades. Como tal não entendem o sofrimento e sacrifícios atravessados pelos povos europeus à data. A sua falta de cultura histórica não lhes confere essas capacidades retrospectivas. Para esta geração, o período de guerras vivido entre 1914 e 1945 não passa de um mero truque de oratória, esvaziado de qualquer intenção que não seja apelar a um lado humano ilusório de uma geração política neoliberal e tecnocrata, que trata constantemente e cada vez mais os seu próprios povos como um aglomerado de números inseridos num quadro de objectivos. Transformando ciências sociais em tecnociências, tratando assuntos altamente voláteis e impalpáveis através de quadros quantitativos, algoritmos e modelos matemáticos, que desta forma, e paradoxalmente, ao invés de gerar ordem, geram caos! Ignorando por completo as especificidades e particulares altamente complexas dos povos, no mapa intercultural europeu. Um desastre total!

É esta geração que corrobora estes dois adágios populares clássicos. O adágio – “Tempos difíceis criam gente forte. Gente forte cria tempos prósperos. Tempos prósperos criam gente fraca. Gente fraca cria tempos difíceis.” – e o adágio – “Avô rico. Filho nobre. Neto pobre.” – que servem os dois de perfeito exemplo para o estado de decadência social, de métodos, de visão estratégica e de valores morais que a nossa União – cada vez mais desunida muito devido a esta geração – atingiu.

Pondo termo ao discurso apocalíptico, e porque me afirmo como um optimista acima de tudo, nunca esquecendo os aspectos crus e realistas que têm forçosamente de constar de qualquer argumento ou análise, afirmo solenemente do fundo da minha convicção… Há uma esperança!

Caso a nossa União Europeia sobreviva à calamitosa e desastrosa 3ª Geração de Líderes, que para infelicidade de todos nós, ainda estará em força aos comandos da União pelo menos nos próximos 10 anos, existe uma geração que poderá redimir e reformar uma instituição profundamente deteriorada, com um povo exausto de péssimas decisões políticas nos últimos 20 anos, que nos transportaram para um calvário de 8 anos de crise que parece não ter fim, como não há memória desde o Crash de 1929.

A 4ª Geração de Líderes está neste momento em fase final de incubação, e espera esperançosamente, ter oportunidade de conseguir ter uma União Europeia com vida, quando a sua hora de a comandar chegar. Esta é a Geração Erasmus, apelidados também de Millennials ou Geração Y, conceitos muito utilizados nos E.U.A, mas que na Europa não faria sentido outro termo que não Geração Erasmus. Quem compõe esta geração nasceu aproximadamente entre 1980 e 1996, não viveu a guerra nem o estabelecimento da paz, mas não vive sem aquilo que posteriormente foi criado. Esta geração assistiu em tenra idade à histeria do milénio e à viragem do século. Cresceu em plena revolução tecnológica e plena transição entre o mundo analógico e digital – o que lhe confere total domínio sobre ambos. Cresceram com a liberdade de circulação de Schengen. Manusearam as antigas moedas nacionais e acompanharam a transição para o Euro. Viajaram dentro da Europa sem mudar de moeda ou sequer possuir um passaporte. Brincaram e foram colegas de escola em crianças de amigos Polacos, Romenos, Turcos, Dinamarqueses, Gregos, Magrebinos, Subsarianos, Ucranianos, Latino-Americanos, Angolanos, Cabo-Verdianos, Chineses entre outros. Assistiram em directo pela televisão a eventos incontornáveis da história recente como os Ataques às Torres Gémeas, a Guerra Global ao Terrorismo, a incursão norte-americana no Iraque e a tomada de Bagdad com o derrube da estátua de Saddam Hussein em plena Praça Firdos. Viveram e ainda vivem a Grande Crise de 2008, que fez os seus pais perderem os seus empregos ou declarar falência dos seus negócios, o que os obrigou a mudar radicalmente de nível de vida. Fizeram Erasmus num país cultural e linguisticamente diferente, onde tiveram de partilhar espaços e experiências com pessoas de várias culturas de toda a Europa. Participaram em eventos europeus de juventude onde debateram o que querem para o nosso futuro comum.

Todos estes acontecimentos e marcos dotaram a Geração Erasmus de um grau de compreensão ímpar face ao “diferente”, bem como de um grau de autossuperação face aos tempos agitados e difíceis onde cresceu. Esta geração desprendeu-se com isto das causas e rivalidades nacionalistas muito presentes nos seus pais e avós. Esta geração ultrapassou as rivalidades Luso-Espanholas, Franco-Alemãs, Franco-Britânicas, Eslavo-Germânicas ou Cristiano-Islâmicas. E tudo pela via da experiência, expansão da informação e do entrosamento intercultural. Se estamos mesmo a caminhar no sentido de uma Europa em transição para um paradigma pós-nacional, esta é a geração que o vai estabelecer, pois foi moldada por essa circunstância. E aí sim, se pode arriscar dizer que o projecto europeu se cumpriu, e que pela primeira vez na história, uma geração se identifique exclusivamente como portuguesa, francesa, alemã, polaca ou checa… Mas sobretudo como europeia! Onde cada um, mesmo com a sua cultura e língua maternas próprias, se olhe nos olhos e se contemple num só povo. Os europeus.

Que floresça a Geração Erasmus, a 4ª Geração de Líderes. E que de forma irreverente e destemida sob o exemplo audaz da 1ª Geração, de Schuman, Monet, Spaak, Drees, Adenauer e de Gasperi… Se faça Europa!

Imagem de capa de evergreengavekal.com