31 Agosto 2017      10:35

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CONVERSÁMOS COM A MAFALDA VEIGA NO SEU REGRESSO A MONTEMOR

Mafalda Veiga tem raízes profundas no Alentejo e o seu espectáculo marcado para dia 4 de setembro na Feira da Luz em Montemor-o-Novo é como se fosse um regresso a casa. Quisemos saber mais sobre essas raízes, do seu percurso pela música e pela escrita e, claro, do seu último trabalho "Praia" e foi isso que fizemos numa conversa com a Mafalda.

Tribuna Alentejo: Sabemos que o pai lhe ofereceu uma guitarra aos 8 anos. Não sabemos porquê. A Mafalda já cantava? E essa ligação com a música vem de algum outro familiar músico?

Mafalda Veiga: Sempre gostei de música e o meu tio Pedro da Veiga era guitarrista de fado e ensinou-me muitos fados quando eu era criança. Lá em casa havia também uma viola e foi ele quem me ensinou a tocar os primeiros acordes, quando eu tinha talvez 9 ou 10 anos. Como eu gostava tanto, houve um Verão em que o meu pai me fez a surpresa de me dar uma viola ( tinha 11 anos, nessa altura), e foi a partir daí que comecei a tocar e principalmente a experimentar “inventar”, com a ajuda dessa viola, as minhas primeiras canções.

Tribuna Alentejo: E a sua passagem por Espanha. Como a marcou esse período?

Mafalda Veiga: Foi muito bom. A minha família mudou-se para lá quando eu tinha 9 anos e só voltei com 16. Ter estudado noutra língua e conhecido outra cultura ( que, apesar de próxima, é muito diferente da nossa) foi enriquecedor.

Tribuna Alentejo: Sabemos que os seus pais possuem uma forte ligação com Montemor-o-Novo e que a Mafalda aí cresceu. O que guarda de forma mais vincada nas suas memórias da adolescência?

Mafalda Veiga: A maior parte da família, tanto materna como paterna, é de Montemor e eu vivi aí até aos 9 anos e, depois, dos 16 aos 18 ou 19  ( altura em que entrei na Faculdade e me mudei para Lisboa). As minhas memórias de infância são ainda mais fortes do que as de adolescência e isso reflecte-se no meu primeiro disco, escrito a partir do momento em que voltámos de Espanha. Toda a paisagem alentejana estava cheia de memórias das pessoas da minha infância, os avós, os tios, os amigos, a liberdade de crescer em contacto com a natureza e num meio muito familiar e muito acolhedor. Todas essas primeiras memórias ainda hoje são importantíssimas para mim, como se fossem o meu “chão”.

Tribuna Alentejo: Pelo seu percurso percebemos que a música e a escrita estão sempre presentes na sua vida. Porém fez breves pausas ou para estudar ou para casar. A produção musical continuou nesses períodos? Precisa de ficar isolada para trabalhar? E essas paragens significaram de alguma maneira mudanças no percurso artístico que foi construindo?

Mafalda Veiga: Houve pausas que foram necessárias até por questões artísticas. Às vezes é preciso parar para olhar com distância crítica o que se fez, procurar novos caminhos, viver outras histórias, conhecer novas pessoas, experimentar escrever canções que às vezes ficam na gaveta mas que são a “semente” para outras que hão-de surgir,  tudo isso faz parte do caminho e tem um reflexo fundamental no que se escreve.

Tribuna Alentejo: E a escrita infantil? Como foi envolver-se nesse universo?

Mafalda Veiga: Foi um convite e um desafio do Jorge Reis Sá para as Quasi Edições. Na altura o meu filho tinha 5 anos, por isso eu estava habituada a ter de inventar histórias todas os dias para ele. Tinham de ter sempre um lado fantástico, que era o que ele mais gostava, e acabei por tentar escrever uma dessas histórias inspirada numa conversa que tive com ele uma das vezes que o fui pôr na cama; ele disse-me que havia dois escuros, o escuro do quarto à noite e o escuro de fechar os olhos. Achei maravilhosa a forma tão simples como ele descrevia esse mundo interior onde toda a imaginação é possível, o mundo da nossa cabeça.

Tribuna Alentejo: A imagem que temos quando se fala em Mafalda Veiga é a de uma mulher serena, só, com uma guitarra, em cima do palco e as suas letras sugerem introspecção. Mas há equipa consigo. Como se desenrola esse processo? Escreve e compõe só e depois vem o trabalho de equipa? Ou ela está presente desde o início?

Mafalda Veiga: Por acaso é raro estar sozinha em palco com uma guitarra, normalmente toco com uma banda relativamente grande ou, nalguns projectos muito específicos, com dois ou três músicos. Gosto, no entanto, de compor sozinha, no primeiro momento da criação, quando estou perante uma folha em branco. Logo a seguir gosto de trabalhar com os músicos, a partir da canção escrita normalmente só com a viola ou uma linha de baixo, ou até com um teclado simples. Os arranjos são processos também criativos em que é bom confrontar ideias e descobrir em conjunto. A seguir ainda ( ou durante este processo) há o resto da equipa técnica com quem trabalho o cenário, a iluminação, o conceito de som, etc. É um trabalho que envolve muita gente criativa e isso é fantástico.

Tribuna Alentejo: Quando achávamos que sabíamos quase tudo da Mafalda Veiga, vimo-la descontraída em cima de um skate. Veio muito depois da sua primeira viola? Fá-lo habitualmente?

 

Mafalda Veiga: Veio ao mesmo tempo, acho eu… Não sei quando comecei a andar de skate, mas foi cedo, quando ainda era criança. Sempre gostei de fazer desporto.

Tribuna Alentejo: "Praia" é o seu mais recente trabalho e revela, parece-nos, um optimismo, que contrasta com os tempos difíceis que vivemos. Basta atentar na abertura do álbum "Olha como a vida é boa". É um olhar deliberadamente positivo e sensível pela vida? É um balanço pessoal?

Mafalda Veiga: É precisamente isso, olhar a vida numa perspectiva boa, positiva e sensível. O mundo transformou-se nos últimos anos num lugar sem sentido onde os valores mais “inquestionáveis” são permanentemente aniquilados. A barbárie é divulgada pelas mais sofisticadas tecnologias, num paradoxo assustador. Precisei olhar para um “lado bom” e afirmá-lo.

Tribuna Alentejo: E o futuro? Sorri-lhe?

Mafalda Veiga: Tenho o “problema” de não pensar muito no futuro e ainda menos no passado. Gosto do momento presente, e o presente é o que quisermos que seja, está nas nossas mãos.